Muitos têm a falsa ideia de que o Evangelho é um convite para ser feliz, e ser feliz na perspectiva terrena da palavra, que passa pelas satisfações pessoais de cada indivíduo. Cada pessoa tem seu próprio conceito de felicidade. Para alguns ser feliz significa casar-se, ter filhos, ser bem-sucedido profissionalmente, ter bens materiais, etc.
A preocupação com a busca da felicidade remonta a antiguidade. Ela faz parte das primeiras reflexões filosóficas sobre ética, que foram elaboradas na Grécia antiga. Muitos filósofos se preocuparam e refletiram sobre o tema. Tales de Mileto afirmava ser feliz “quem tem corpo são e forte, boa sorte e alma bem formada”. Sócrates rompe com a ideia de que a felicidade estava associada apenas às necessidades físicas e materiais, para ele a felicidade era o bem da alma que só podia ser atingido por meio de uma conduta virtuosa e justa. Já Aristóteles vinculou à felicidade à racionalidade, defendendo que a felicidade passava pela racionalidade humana. Mas, esta visão filosófica sobre a felicidade se desvaneceu com a chegada da idade média e para os grandes pensadores deste período da história, como Agostinho de Hipona, Tomas de Aquino dentre outros, considerados filósofos cristãos, a busca pela felicidade ficou em segundo plano, ganhando relevância a salvação da alma humana. A era moderna trouxe nova luz sobre o conceito de felicidade, que passou a ser identificada como um prazer (conforme John Locker). O filósofo Immanuel Kant desloca o olhar, para ele felicidade nada tem a ver com a filosofia, pelo menos na filosofia do campo da ética, uma vez que aquela se encontra no âmbito do prazer e do desejo. O iluminismo encarregou-se de considerar a felicidade “um direito do homem”, passando assim a fazer parte do pensamento político da época, sendo inclusive registrada na Constituição americana de 1787.
Feitas tais considerações sobre a felicidade, quero registrar que acredito que o ser humano tem dentro de si uma busca de satisfação, de realização, que pode ser traduzida em busca pela felicidade, e nesta busca, muitos chegam ao Evangelho. Chegam e ficam vivendo um evangelho que não tem nada a ver com o Evangelho de Jesus Cristo. Na maioria das vezes porque são levados por líderes religiosos a interpretações equivocadas dos textos bíblicos e a uma teologia humanista. Se estudarmos as Escrituras com seriedade vamos concluir que não há nenhuma promessa de felicidade terrena. O Evangelho é sobre renúncia, cruz, sofrimento, morte e eternidade. O Evangelho é sobre o que Deus deseja para o homem e não sobre o que o homem deseja para si mesmo. Passamos anos orando por bênçãos que Deus nunca nos prometeu (isso não significa que Ele não irá nos atender, ou que não tenha prazer em ouvir nossas orações), mas significa que nossa perspectiva não está correta. No nosso anseio por felicidade perdemos muito mais tempo chorando e lamentando pelas “bênçãos não recebidas” que agradecendo pelas bênçãos recebidas de forma imerecida e a salvação é a maior delas. A promessa que Deus nos faz desde Genesis é de um Salvador e esta promessa Ele já cumpriu. Há outras promessas cujo cumprimento está em curso, mas em todas elas a figura e a obra do Messias é fator determinante para que se cumpra.
Temos muitos relatos de bênçãos e milagres concedidos a homens e mulheres ao longo da Bíblia, e estas bênçãos traz sensação realização e de felicidade à quem as recebe, mas um olhar mais apurado dessas narrativas nos mostrarão que em todas elas o objetivo primeiro era glorificar o nome e o poder do Cristo e a bondade, graça e misericórdia de Deus. Na ressurreição de Lázaro, o milagre realizado por Jesus, não tinha como propósito primeiro fazer Maria e Marta felizes (isto foi consequência), mas trazer glória ao nome de Deus (Disse-lhe Jesus: “Não falei que, se você cresse, veria a glória de Deus?” – João 11.40). O livramento de Sadraque, Mesaque e Abednego em Daniel 3:28 da fornalha ardente não foi para demonstrar o tamanho da fé deles ou deixá-los felizes por terem sido salvos do fogo, mas primeiramente para fazer o grande rei Nabucodonosor se dobrar e reconhecer o único e verdadeiro Deus. Quando Deus gerou Isaque no ventre estéril de Sara não foi para fazer ela feliz com a maternidade que era o grande sonho da vida dela, mas para provar que para Deus não há impossíveis (Genesis 18.14). Em última instância, Deus não nos deve felicidade nesta terra, até porque, o que Jesus nos garantiu é que neste mundo teremos aflições. O compromisso de Deus para com os homens é de resgate e libertação do castigo eterno e isso Ele já cumpriu na Cruz do Calvário por meio do Sacrifício de Cristo Jesus. Por isso, se Deus nos atender nossas orações e conceder algum dos desejos dos nossos corações aqui neste mundo, lembremos que o propósito primeiro é a glória do nome dele, depois a nossa felicidade, e se por ventura, passarmos por esta vida sem ver se cumprir alguns dos nossos motivos mais fervorosos de oração, lembremos que Deus não nos deve nada e que já recebemos mais do que merecíamos.
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Autora: Maria Genaina de Almeida Ribeiro Reder.
Casada, mãe de um casal de filhos.
Membro da Igreja Batista em Jardim Paulista em Guarulhos SP.
Líder do Ministério Infantil e do Ministério de Ensino.
Professora aposentada. Contato: primeiroped@gmail.com
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