“[Antes da formação da Igreja] a humanidade estava dividida entre Israel e as Nações. No Messias estas duas partes [distintas da humanidade] tornam-se uma unidade. Este é um grande mistério do plano soberano de Deus” (Berger, 2016, p.44).
O Mistério do Messias
Assim como o Messias prometido a Israel era o mistério de Deus (Cl.2:2-3), a Igreja era o mistério do Messias, revelado nas Sagradas Escrituras. Mistério que estava oculto nos profetas e foi compreendido pelos apóstolos judeus somente após a ressurreição do Messias – Jesus.
O apostolo Paulo compreendeu muito bem o mistério da Igreja, oculto nos séculos, mas revelado em Cristo: “Como me foi este mistério manifestado pela revelação (…) podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; A saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho” (Efésios 3:3-7).
O mistério de Cristo fala sobre seus desígnios eternos, antes ocultos, mas que no tempo determinado foram revelados – “O mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações, e que agora foi manifesto aos seus santos” (Cl.1:26) -, mistério esse que aponta para a inclusão dos gentios, juntamente com os judeus, no plano de salvação de toda a humanidade do Senhor Jesus (Ef.3:1-12).
Os Judeus na Igreja
A Igreja do Senhor Jesus é, em sua origem, judaica. Foi profetizada por um judeu – Jesus: (Mt.16:18) -, começou com apóstolos judeus (Mt.10:1-5), na cidade judaica de Jerusalém, por ocasião da Festa Judaica de Shavuot – Semanas (conhecida em grego por Pentecostes, Atos 2). No início da Igreja, a maioria dos “membros” era composta por judeus, ou no máximo prosélitos convertidos ao Deus de Abraão, Isaque e Israel (Atos 2:5,9-11,37-42). Seu livro sagrado era o Tanach (acrônimo para Torá – Lei, Neviim – Profetas e Ketuviim – Escritos; isto é, o Antigo Testamento), conforme 2 Timóteo 3:16, uma vez que o Novo Testamento ainda não havia sido escrito pelos apóstolos e profetas (todos judeus, com exceção de Lucas). Portanto, no princípio, a Igreja era constituída quase que exclusivamente por judeus.
Os Gentios na Igreja
Porém, quando os gentios começaram a engrossar a fileira dos que criam no Senhor Jesus, os apóstolos judeus desconfiaram, e por isso enviaram representantes da Igreja para saberem o que de fato estava acontecendo (At.8:14). Tais representantes confirmaram que muitos gentios estavam aderindo à fé no Cristo judeu, nascido de uma virgem judia, que havia morrido pelos pecados da humanidade, sido sepultado e ressuscitado para a salvação de todo aquele que nele crê – primeiro do judeu e também do grego (Rm.1:16).
Os primeiros a crerem, além dos prosélitos gentios de Atos 2, foram os samaritanos, por meio da pregação de Filipe (At.8:5-13), que cumpria a ordem de Jesus de ser sua: “…testemunha tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (At.1:8). O mesmo Filipe evangelizou o ministro das finanças da Etiópia (At.8:26-40), o que resultou no batismo do etíope, cumprindo a ordenança do Senhor Jesus, conforme encontramos em Mateus 28:19: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.
O livro de Atos ainda menciona a conversão do centurião gentio Cornélio através do apóstolo Pedro, e é justamente nessa passagem de Atos 10 que temos a questão dos gentios levantada pelos apóstolos em Jerusalém. Pois, até aqui estávamos falando dos samaritanos (uma mistura de gentios com as dez tribos do norte de Israel que ocorreu durante o Cativeiro Assírio 722 d.C.) e o prosélito eunuco, mordomo-mor de Candace.
Mas agora temos a conversão de um centurião romano, envolvendo o apóstolo Pedro por meio de uma visão. A saber, a visão do lençol com uma variedade de animais impuros para os judeus, na qual a voz divina lhe disse: “Levanta-te Pedro, mata e come”; ao que Pedro respondeu: “De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa comum ou imunda”; seguida da advertência divina: “Não faças tu comum ao que Deus purificou” (At.10:13-15). Através dessa singular visão, Deus havia mostrado para o líder dos apóstolos judeus que os gentios haviam sido, definitivamente, incluídos na Igreja do Messias – “E ouviram os apóstolos, e os irmãos que estavam na Judéia, que também os gentios tinham recebido a palavra de Deus (At.11:1).
A salvação de Cornélio, juntamente com sua casa, mostrou para Pedro que Deus não faz acepção de pessoas (At.10:34), mas faltava isso ser entendido pelos demais apóstolos e outros judeus que faziam parte da igreja em Jerusalém (At.11:1-3). Em Jerusalém, o apóstolo Pedro justificou sua presença entre os gentios e testemunhou de como o Senhor derramara do seu Espírito sobre os novos crentes gentios (At.11:15-17). O que levou os apóstolos a declararem: “Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida” (At.11:18b).
Com a dispersão dos discípulos de Jerusalém para várias outras cidades fora de Israel, devido ao que aconteceu com Estevão, muitos outros gentios ouviram acerca de Jesus e passaram a crer nele como seu Salvador pessoal (At.11:20-21); assim o Evangelho espalhou-se também entre os gentios.
Judeus e Gentios na Igreja
Conquanto sabemos da promessa divina ao patriarca Abraão de abençoar todas as família da terra através de seu descendente mais singular – o Messias (Gn.12:3) -, foi na Nova Aliança (NT), em especial nos escritos paulinos, que o mistério do Messias/Cristo – a união de judeus e gentios formando o seu corpo – a Igreja, tornou-se perfeitamente esclarecida: “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti” (G.3:8).
O apóstolo Paulo entendeu o pleno significado da promessa feita pelo profeta Isaías acerca da obra redentora do Messias com relação a Israel e os gentios: “Pouco é que sejas o meu servo, para restaurares as tribos de Jacó, e tornares a trazer os preservados de Israel; também te dei para luz dos gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra” (Is.49:6).
A pregação de Paulo na Sinagoga de Antioquia da Psídia (At.13:14) provocou um interesse tão grande nas pessoas em geral, não somente nos judeus e prosélitos, mas também nas pessoas da cidade, ao ponto de os gentios pedirem ao apóstolo que pregasse as mesmas palavras no sábado seguinte (At.13:42-43), isto é, acerca do Messias – o que resultou na pregação do Evangelho para toda a cidade (At.13:44). A profecia de Isaías 46:9, corretamente interpretada e aplicada por Paulo, trouxe grande gozo aos gentios que creram (At.13:48).
O apóstolo dos gentios exaltou seu ministério entre as nações (Rm.11:13), mas jamais esqueceu-se de proclamar o Messias a seus irmãos na carne (judeus), a quem amava ao ponto de desejar ser separado de Cristo em prol da salvação deles (Rm.9:3).
Podemos perceber nas páginas do livro dos Atos dos Apóstolos que o segundo lugar que Paulo “visitava” era, geralmente, a prisão da cidade (por causa da resistência e perseguição ao Evangelho, Atos 16), pois o primeiro lugar era sempre uma Sinagoga – “E logo nas sinagogas pregava a Cristo, que este é o Filho de Deus” (At.9:20). Logo após sua conversão, pregou na sinagoga de Damasco (At.9:20), posteriormente, na sinagoga da Antioquia da Psídia (At.13:5,14,15,43), na sinagoga em Icônio (At.14:1), em Tessalônica (At.17:1), Beréia (At.17:20), Corinto (At.18:1,4) e em Éfeso (At.18:19; 19:8).
O que fica claro na estratégia missionária do apóstolo Paulo é que, ao chegar em uma cidade, ele sempre buscava, em primeiro lugar, uma sinagoga e, a partir destas sinagogas, ele alcançava primeiramente os judeus e posteriormente os gentios: “Porque convosco falo, gentios, que, enquanto for apóstolo dos gentios, exalto o meu ministério; para ver se de alguma maneira posso incitar à emulação os da minha carne e salvar alguns deles” (Rm.11:13-14).
Que a Igreja do Senhor Jesus Cristo possa ser uma casa de adoração, harmonia e comunhão para os filhos de Deus, tanto judeus como gentios.
Por Alexandre B. Dutra Pastor Batista, Diretor dos Amigos de Sião, Bacharel em Teologia, Mestre em Ministério Pastoral e Mestre em Letras – Estudos Judaicos (USP)
Comments