“Porque, se de todo te calares neste tempo, socorro e livramento de outra parte sairá para os judeus, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe se para tal tempo como este chegaste a este reino? ” Ester 4.14
A história da rainha Ester e, portanto, da libertação do povo judeu, se deu durante o reinado de Assuero, identificado pelos historiadores como rei persa Xerxes (grego), Ahasheverosh (hebraico), equivalente ao persa Khshayarsha 485-465 a.C. (Ester 1.1-2). A saga ocorreu entre o retorno de Zorobabel com parte dos judeus da Babilônia para Jerusalém (536 a.C.), conforme decreto de Ciro, rei da Pérsia, (Ed.1.1-3) e a chegada de Esdras em Jerusalém (457 a.C.).
Antes, porém, em 586 a.C. o reino do Sul, Judá, havia sido conquistado e a cidade e o templo de Jerusalém destruídos pelo rei Nabucodonosor, e parte do povo levado cativo para a Babilônia, conforme o relato do profeta Daniel. Na sequência, o império babilônico havia ruído e dado lugar ao novo império governado pelos medos e persas liderados por Ciro, o grande, que conquistou a Babilônia em 539 a.C.
É nesse contexto de exílio, e capitulado por um novo império dominante, que se desenrola a história de uma mulher e seu povo. Na época de Ester, Assuero era o rei da Pérsia, a capital era Susã, e o vasto império se estendia da Índia à Etiópia (Et.1.1-2). O historiador grego, Heródoto, relata que Xerxes buscou consolo em seu harém depois de sua derrota perante os gregos em Salamina, no mesmo ano Ester foi feita rainha (Et.2.16).
No palácio de Susã encontramos os personagens principais desse drama: Assuero, o rei derrotado, que ao fazer o banquete se escondeu do fracasso na batalha; Vasti, a rainha rejeitada, que não baixou sua dignidade expondo sua nudez publicamente; Mardoqueu, o judeu; Hamã, o falso, que escondeu seu ódio contra os judeus através de seu título de ministro; Ester, a rainha que ninguém sabia que era judia (o nome hebraico de Ester é Hadassa (Et.2.7) que significa murta em hebraico – árvore sempre verde com folhas escuras e brilhantes e flores brancas. As folhas, flores e frutos da murta eram usados como perfume); e Deus, por meio da ausência da citação de seu nome em todo o livro. Esse quadro nos leva a destacar que as personagens estavam se escondendo atrás de máscaras, enquanto a divindade estava trabalhando nos bastidores da história.
Hamã, o agagita, é o grande vilão, ele era descendente de Amaleque e Agague. Amaleque foi o primeiro inimigo do general Josué depois da saída do Egito em direção à terra prometida (Êx.17.9). O primeiro rei de Israel, Saul, deveria eliminar completamente os descendentes de Amaleque, cujo rei era Agague, mas ele não obedeceu à palavra divina (1Sm.15). Cabe destacar que Mardoqueu e Ester são da tribo de Benjamim a mesma do rei Saul (Et.2.5).
Tendo como pano de fundo essa história, Hamã procura se vingar, elaborando a morte de todos os judeus. Encontramos em Hamã os sintomas do anti-semitismo: primeiro intolerância à diferença cultural e religiosa “E Hamã disse ao rei Assuero: Existe espalhado e dividido entre os povos em todas as províncias do teu reino um povo, cujas leis são diferentes das leis de todos os povos, e que não cumpre as leis do rei; por isso não convém ao rei deixá-lo ficar” (Et.3.8) – singularidade do povo judeu -; e depois ódio, a solução do anti-semita é a exterminação: “Se bem parecer ao rei, decrete-se que os matem; e eu porei nas mãos dos que fizerem a obra dez mil talentos de prata, para que entrem nos tesouros do rei” (Et.3.9). Essas foram, igualmente, as bases do nazismo na Alemanha.
Ao saber do plano macabro de Hamã, Mardoqueu manda avisar a rainha Ester que seu povo, sua família e ela mesma correm um perigo iminente de aniquilação. Ester se coloca diante do rei (Et.5:1-3) e roga por sua vida e pela de seu povo (Et.7.1-6). Hamã é desmascarado e morto na forca que ele preparou para Mardoqueu (Et.7.7-10). O rei Assuero faz um novo decreto permitindo que os judeus se defendam daqueles que desejam matá-los (Et.8). A vitória dos judeus contra seus inimigos é celebrada por meio da instituição da Festa de Purim, como um memorial: “Como os dias em que os judeus tiveram repouso dos seus inimigos, e o mês que se lhes mudou de tristeza em alegria, e de luto em dia de festa, para que os fizessem dias de banquetes e de alegria, e de mandarem presentes uns aos outros, e dádivas aos pobres” (Et.9.22).
O nome da festa vem do sorteio que Hamã fez, e resultou no dia 13 de Adar para executar seus sinistros desígnios, daí vem a origem do nome Purim, que vem da palavra pur, que em hebraico significa sorte ou sorteio, acrescido do sufixo plural im: “sortes” (Et.3.7; 9:26).
A Festa é observada um pouco antes da Páscoa, nos dias 14 e 15 de Adar (Et.9:21), e corresponde aos meses de fevereiro e março de nosso calendário solar (esse ano será nos dias 16 e 17 de março). O dia 13 de Adar (16/03) foi destinado pelos sábios judeus como um dia de jejum, denominado Taanit Ester – jejum de Ester (Et.9.31-32; 4.15-17), pois a bela rainha, como todos os judeus da capital do reino de Assuero, jejuaram três dias e três noites (Et.4:16) naqueles tempos difíceis, e oraram para serem salvos da aniquilação total (Et.4.15-17).
Portanto, a Festa de Purim comemora o livramento dos judeus da Pérsia de uma destruição total, decretada pelo rei Assuero, mas instigada por Hamã, seu ministro. Durante a festa acontece o envio de presentes (shalach manot) aos familiares e amigos e a tsedecá – doação de dinheiro aos pobres (Ester 9.22). Na festa também há o costume de se usar máscaras ou fantasias e de encenar peças baseadas na história de Ester. É tradicional, ainda, nesta festa, a seu dá – ceia de Purim. Vários são os pratos especiais e característicos da ceia de Purim, sendo um dos favoritos as esfihas recheadas com uma mistura de mel e sementes de papoulas, uvas ou ameixas em forma de triângulo, conhecida como oznei haman – orelha de Hamã.
Ester e Rute são os únicos dois livros canônicos da Bíblia com nome de mulher. A Meguilá, rolo do livro de Ester, como é denominado pelo Talmud, é lido e cantado na noite de Purim na sinagoga com um tom expansivo e alegre, adequado para a narração da história de Purim (Lamm, 1999, p. 356). Na leitura, ao chegar à palavra Hamã, o povo exclama: “seja apagado seu nome! ”, e se acrescenta: “pereçam os nomes dos perversos! ”, acompanhado pelo barulho de matracas, batidas de pés, vaias, trombetas, sirenes, entre outros instrumentos.
Os dez capítulos do livro de Ester proporcionam uma importante lição sobre a política de benção de relação acerca do anti-semitismo, que nenhuma pessoa ou nação dos nossos dias deve ignorar: “E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem” (Gênesis 12.3a). Quem toca em Israel, na verdade toca em Deus: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: aquele que toca em vós toca na menina do seu olho” (Zacarias 2.8). Sempre haverá esperança para os descendentes de Jacó, por causa do Rei de Israel – Jesus.
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Alexandre B. Dutra é Pr. Batista, Diretor dos Amigos de Sião, Bacharel em Teologia, Mestre em Ministério Pastoral e Mestre em Letras – Estudos Judaicos (USP).
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