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Entre narizes, bigodes e unhas: Nada há de novo sob o sol

Foto do escritor: Kelson Mota T OliveiraKelson Mota T Oliveira

“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol.  Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram antes de nós.” 

(Eclesiastes 1.9-10)

Como cientista, acostumado a pensar que sempre haverá novas e emocionantes descobertas, os versículos acima, do livro de Eclesiastes, sempre me foram um desafio. Naturalmente que não se refere a descobertas e avanços científicos, mas aos ditames do coração humano e suas consequências. O princípio ensinado pelo Pregador de Eclesiastes é simples: não há nada de muito original nas atitudes humanas desde a queda no Éden. Mesmo as ideologias mais modernas, como nos mostra a História, são sempre refugo de outras, mais antigas. Heresias atuais, que parecem novas, já foram proferidas antes, em longínquas eras, por bocas igualmente iniquas. A busca por prazeres, riquezas, sucesso ou destaque tem sido uma característica das centenas de gerações que nos antecederam. Correr atrás de conhecimento como meta de vida? Não é novidade, sempre houve, que digam os gregos. Se esfalfar de trabalhar para enriquecer e acumular dinheiro? Não é fruto do capitalismo, há três mil anos atrás já havia quem se dispusesse a tal. Resumindo: a embalagem muda, mas o conteúdo permanece. Nada há de novo sob o sol. E apesar de saber teoricamente o sentido desses versículos, no início de outubro de 2007, aprendi com minha filha caçula, de forma definitiva (e doída) a prova desta verdade. Acompanhem o desenrolar em duas cenas distintas:

 

Cena 1:

Um homem cansado, após uma semana de duro trabalho braçal, no quente calor manauara, está dormindo merecidamente em sua cama, após um bom almoço de domingo. A casa é de madeira, simples, e não há o barulho de TV. Aliás, não há barulho de TV em nenhuma das casas ao redor. Possuir um televisor em preto e branco é um luxo que naquele bairro humilde pouquíssimos podem ostentar.

            Fora do quarto, à porta, duas pequenas crianças confabulam secretamente:

            - Vamos cortar o pêlo do nariz do papai? – diz a maior para a menor

            - Por quê?

            - Ora, porque está grande e feio.

            - Por quê?

            - Tem um fio grandão saindo do nariz. Tá feio. Vamos ajudar o papai. Bem ali tem a tesourinha da mamãe. Vamos lá!

            - Tá bom.

            - Mas fica quieto, senão ele vai acordar!

            - Tá bom.

            E com uma tesourinha de ponta, de cortar unhas, em mãos, adentram silenciosamente o quarto do pai.           Em seguida ouve-se um urro impublicável vindo do quarto, seguido de duas crianças em disparada, porta afora, e um grito:

            - Arraaaa!!!!!!!!! Venham já pra cá! Vocês vão aprender a não machucar o nariz de seu pai.

A criança menor, de quase três anos, se esconde debaixo da cama – ou melhor esconde apenas sua cabeça debaixo da cama – mas é facilmente descoberta. Ouvem-se quatro sonoras palmadas e o choro contido de quem sabe que fez por merecer. A criança mais velha – uma menina – se esconde e se safa. Reina a paz novamente no paraíso.

Semanas mais tarde ambas chegam à conclusão que o bigode do papai está grande e deve ser cortado. Tesourinha em mãos, adentram no quarto. E a história se repete.

            - Arraaaaa!!!!!!!....

 

Cena 2:

 

Em um dia fresco de primavera gaúcha, no oitavo andar de um bonito prédio, situado quase no fim da avenida Cristóvão Colombo, centro de Porto Alegre, um homem cansado após um duro dia de trabalho na universidade, adormece displicentemente em sua poltrona, após um bom jantar. Na TV colorida, de 21 polegadas, tela plana, passa um telejornal. Em sua vizinhança, nos prédios em derredor, milhares de televisores de todos os tamanhos e formas, inclusive os novíssimos de alta definição e de plasma, despejam seus programas em uma cacofonia indescritível aos que se dispõe a esvaziar suas mentes.

À sua frente encontra-se uma pequena criança tendo nas mãos o pontiagudo espeto de madeira de um trabalho escolar. A pequenina olha atentamente para a unha do pai e chega à conclusão que está suja.

Com cuidado toma em suas mãozinhas o dedo médio direito do adormecido pai e se prepara para tirar a sujeirinha embaixo da unha e firmemente enfia o espeto. Em seguida ouve-se um urro inexprimível, seguido de uma criança em quase disparada e um grito:

            - Aaaarghhhh!! Meu, o que você está fazendo?!! Venha já aqui, você vai aprender a não enfiar um palito embaixo da unha de seu pai. Onde já se viu?

A criança, de quase dois anos e meio, joga o espetinho e tenta correr. Esforço em vão. Ouvem-se duas pequenas e firmes palmadas e o choro contido de quem sabe que fez por merecer. A paz não volta a reinar no paraíso. O pai chama a mãe e conta alarmado o que a criança fez:

            - Onde já se viu? Enfiar um palito embaixo de minha unha. Enfiou firme! Nossa, como doeu!

            - Sério? Como ela fez?

            - Enfiou o espeto que veio com o trabalho da escolinha em minha unha. Tem cabimento uma coisa dessas?

            A mãe, com um mal disfarçado sorriso no rosto, delicadamente pergunta à caçula:

            - Por que você fez isso minha querida?

Calada, a criança não ousa falar nada. Sua expressão facial indica um misto de espanto, receio e um tantinho de dar de ombros, como quem diz: ué, apenas tentei ajudar, a unha estava suja, desculpe.

            - De onde ela tirou essa idéia absurda? Isso é um absurdo. Querer espetar minha unha... Queria saber o que se passou na cabecinha dela para chegar a essa conclusão. Quando se ouviu falar de uma filha fazer isso com o pai?  Para quem ela puxou para ter essas ideias?

E, resmungando frases indignadas e massageando o dedo dolorido e um tantinho ferido, o pai continuou sua ladainha até que percebeu a esposa rindo abertamente.

            - Do que você está rindo?

            - De ti.

            - Por quê?

            - Ora, porque a Naomi puxou de ti a tendência para essas coisas.

            - O quê?! De onde você tirou essa idéia?

            - Kel, você não lembra o episódio onde você e a Kátia tentaram cortar o pêlo do nariz de teu pai? E daquela outra vez que tentaram cortar o bigode dele? Esqueceu?

Emudeci. De repente me vi em meados de 1972, com a Kátia, minha irmã mais velha, confabulando planos para cortar o pêlo do nariz do papai. Estava saindo pela narina e queríamos apenas ajudar a deixá-lo mais bonito. Tinha, à época, apenas três ou quatro meses a mais que Naomi.

Só pude dizer envergonhado:

            - Oooh! É mesmo... Ela puxou para mim...

O versículo de Eclesiastes veio-me à mente como uma pedrada...

Aproximei-me da Naomi, e com um novo olhar de compreensão e cumplicidade de quem já passou pela mesma situação, abracei-a e disse-lhe:

            - Minha querida, não faça mais isso, pois pode machucar o papai. Você queria apenas ajudar o papai não é? Limpar sua unha, foi isso?

            - É – respondeu calmamente com seu lindo sotaque de criança.

            - Ok!

E a paz voltou a reinar novamente no lar.

 

De fato, nada há de novo sob o sol, sejam unhas, narizes ou bigodes. Que o diga meu dedo médio. Naquela noite, minha esperança era que minha filha Naomi, à minha semelhança, não tentasse uma nova empreitada e quisesse aparar meu cavanhaque em outra ocasião.

 

Um grande, e nada novo, abraço a todos!

 

 

           

 

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