Os dias de retiro no velho acampamento eram um verdadeiro sonho. O ambiente era simples, porém tinha um ar paradisíaco. Entretanto, muitas vezes, a graça do “paraíso” ganhava ares infernais quando chegava a turma da pesada. Era um grupo conhecido pela insubordinação que tirava a paz dos conselheiros e dirigentes dos retiros. Certa ocasião, eles foram tão longe na baderna que a direção do acampamento resolveu expulsá-los de lá por volta da meia-noite. E eu, vendo que entre eles estavam filhos de pastores, missionários e líderes cristãos reconhecidos, ficava sempre me perguntando: Como pode ser isso? Não deveriam os filhos de pastores ser reconhecidos por seu comportamento exemplar?
Há alguns meses, acompanhei consternado o dilema do famoso pastor e teólogo John Piper. Seu filho Abraham Piper não apenas foi excomungado da comunhão da igreja, como tornou-se um oponente debochado da doutrina bíblica e da ética cristã. Com cerca de um milhão de seguidores nas redes sociais, Abraham Piper é reconhecido como um ícone entre os que passaram pelo processo de “desconstrução”, nome dado à apostasia nesses tempos modernos.
O problema dos “filhos pródigos” em famílias de pastores ganhou recentemente uma dimensão muito mais pessoal, pois, enquanto escrevo este artigo, incluo-me na lista de obreiros que oram e sofrem por ver um dos seus filhos seguindo pelas veredas da “desconstrução” da fé que outrora professava.
Enquanto luto com minha própria dor, vendo que essa triste realidade tem se tornado cada vez mais frequente, considero importante compartilhar alguns pensamentos, ainda que preliminares, que poderão ser úteis tanto aos que estão levando esse fardo como também aos que estão no grupo dos que procuram oferecer alguma ajuda.
Nenhum pai pode garantir a fidelidade dos seus filhos
Sem querer encobrir minhas falhas nem ousar uma comparação descabida com o Pai perfeito, consolo-me ao ler Isaías 1.2, que diz: “Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos e os engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim.”
Quando nossos filhos se afastam da fé, é difícil não sermos perseguidos pela culpa. Vez por outra, perguntamo-nos: Onde erramos? O que poderíamos ter feito para evitar a queda espiritual do filho que se rebela? As palavras do Senhor por meio do profeta Isaías servem para mostrar que nenhum pai, por mais diligente que seja, pode garantir que seus filhos serão fiéis às verdades que aprenderam em casa. A rebeldia dos filhos, “criados por Deus”, não pode ser lançada na conta do Pai. Algo semelhante podemos ver na rebeldia de Adão e Eva no Éden.
Assim, enquanto consideramos atentamente nossos erros, devemos nos lembrar de que o Pai perfeito criou filhos que eventualmente se rebelaram.
Permita que outros ajudem a levar a carga
Além do incômodo da culpa, o sentimento de vergonha também pode aumentar o sofrimento de um pastor cujos filhos se afastaram do Evangelho. Evidentemente, não precisamos anunciar nossa luta aos quatro ventos, contudo, tentar manter excessivo sigilo não nos ajudará em nada.
Embora possamos sofrer incompreensão por parte de alguns, a verdade é que há muitos queridos irmãos, dentro e fora da nossa congregação, que teriam prazer em nos assistir com conselhos e oração. Dada a facilidade com que nos comunicamos em nossos dias, não será difícil conversar com um pastor amigo e receber orientações sábias que podem nos fornecer discernimento quanto ao que fazer e como fazê-lo.
Na ocasião mais adequada, compartilhe sua luta com a liderança da sua igreja e com todos os membros. Não se preocupe em manter a reputação de “super crente” que muitos possam ter a seu respeito. Esse é o momento de mostrar que, “… quando sou fraco, então, é que sou forte” (2Co 12.10). No entanto, seja comedido, a fim de não tentar ganhar a simpatia do povo por meio da autocomiseração.
Sempre dependa da graça de Deus
A salvação pertence ao Senhor (Jonas 2.9); é uma livre concessão da soberana graça de Deus (Efésios 2.8-9) e não é assegurada geneticamente aos filhos dos pastores ou missionários. Não nos esqueçamos de que Provérbios 22.6 não é uma promessa no sentido estrito, mas uma advertência.
Mesmo sendo responsáveis diante de Deus de inculcar na mente dos nossos filhos a verdade de que o Senhor nosso Deus é o único Senhor e que, por isso mesmo, deve ser amado “de todo coração, de toda alma e de toda força” (Deuteronômio 6.4), precisamos entender que nem o nosso ensino, nem o nosso exemplo contam como recursos infalíveis no propósito de termos filhos salvos. Aproveitando as palavras do apóstolo Paulo, eu também diria: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Romanos 9.16).
Enquanto sofremos com os desvios dos nossos filhos, consolemo-nos com a certeza de que Deus continua gracioso e renovemos o ânimo com esta gloriosa promessa de Malaquias 4.6: “…ele converterá o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição.
Jamais deixe de amar e orar por seu filho pródigo
É possível que, como o pai amoroso de Lucas, capítulo 15, nossa única expressão externa de amor seja manter os olhos no caminho, aguardando o retorno do filho que se foi. Havendo oportunidade, “…não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos” (Gálatas 6.9).
Internamente, porém, nosso amor deve se manifestar de modo constante e intenso “com forte clamor e lágrimas”, à medida que dirigimos orações e súplicas Àquele que pode livrar nossos filhos da morte (cf. Hebreus 5.7). O caminho da rebeldia não é a vontade de Deus. Portanto, seguindo o ensino de Cristo, oremos: “… faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6.10).
Falando com um amigo sobre a minha luta com o filho rebelde, ele me disse: “Você foi chamado para pregar a Palavra… não desista!” Aproveito e repasso o conselho. Não desista, apesar da luta! Zele pela reputação do Evangelho mais do que a sua própria, estando sempre certo de que fomos convocados por Aquele que “…é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós…” (Efésios 3.20).
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